ATIVIDADE 1 (3º ANO): "Liberdade e Responsabilidade" (Sartre)
Neste
trecho, retirado da obra O ser e o nada, o filósofo
Jean-Paul Sartre discorre sobre a liberdade e a responsabilidade que ela
acarreta, já que o sujeito não pode simplesmente atribuir suas ações a algo
externo a ele.
“A consequência
essencial de nossas observações anteriores é a que o homem, estando condenado a
ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo
e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tomamos a palavra ‘responsabilidade’ em
seu sentido corriqueiro de ‘consciência [de] ser o autor incontestável de um
acontecimento ou de um objeto’. Nesse sentido, a responsabilidade do para-si é opressiva, já que o para-si é aquele pelo qual se faz com
que haja um mundo, e uma vez que também é aquele que se faz ser, qualquer que
seja a situação em que se encontre, com seu coeficiente de adversidade próprio;
o para-si deve assumi-la com a consciência orgulhosa de ser o seu autor, pois
os piores inconvenientes ou as piores ameaças que prometem atingir minha pessoa
só adquirem sentido pelo meu próprio projeto; e elas aparecem sobre o fundo de
comprometimento que eu sou. Portanto, é insensato pensar em queixar-se, pois
nada alheio determinou aquilo que sentimos, vivemos ou somos. [...]
Além disso, tudo aquilo que me acontece é
meu; deve-se entender por isso, em primeiro lugar, que estou sempre a altura do
que me acontece, enquanto homem, pois aquilo que acontece a um homem por outros
homens e por ele mesmo não poderia ser senão humano. [...] Assim, não há
acidentes em uma vida; uma ocorrência comum que irrompe subitamente e me
carrega não provém de fora; se sou mobilizado em um guerra, esta guerra é minha
guerra, é feita à minha imagem e eu a mereço. Mereço-a, primeiro, porque sempre
poderia livrar-me dela [...] pela deserção [...]. Por ter deixado de livrar-me
dela eu a escolhi; pode ser por fraqueza, por covardia frente à opinião
pública, porque prefiro certos valores ao valor da própria recusa de entrar na
guerra (a estima de meus parentes, a honra de minha família, etc.). De qualquer
modo, trata-se de uma escolha. Essa escolha será reiterada depois,
continuamente, até o fim da guerra; portanto, devemos subscrever as palavras de
J. Romains: ‘Na guerra, não há vítimas inocentes’. Portanto, se preferi a
guerra [...] tudo se passa como se eu carreasse inteira responsabilidade por
essa guerra.
Sem dúvida, outros declararam a guerra, e eu
ficaria tentado, talvez, a me considerar simples cúmplice. Mas esta noção de
cumplicidade não tem mais do um sentido jurídico; só que, neste caso, tal
sentido não se sustenta, pois de mim dependeu o fato de que esta guerra não
viesse a existir para mim e por mim, e eu decidi que ela existisse. Não houve
coerção alguma, porque, como dissemos e repetimos nesse livro, o próprio da
realidade-humana é ser sem desculpa. Só me resta, portanto, reivindicar esta
guerra como sendo minha.
[...] Assim,
sou esta guerra que demarca e torna compreensível o período que a antecedeu.
Nesse sentido, de forma a definir com maior nitidez a responsabilidade do
para-si, é necessário [...] acrescentar esta outra [fórmula]: ‘Cada qual tem a
guerra que merece’. Assim, totalmente livre, indiscernível do período cujo
sentido escolhi ser, tão profundamente responsável pela guerra como se eu mesmo
a houvesse declarado, incapaz de vivê-la sem integrá-la à minha situação, sem
comprometer-me integralmente nesta situação e sem imprimir nela a minha marca,
devo ser sem remorsos nem pesares, assim como sou sem desculpa, pois desde o
instante do meu surgimento ao ser, carrego o peso do mundo totalmente só, sem
que nada nem ninguém possa aliviá-lo.”
SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada. Ed. Vozes, Petrópolis, 2003 (págs. 678-680)
Vocabulário:
Para-si: o ser da consciência, o
sujeito que busca constituir-se projetando-se no futuro ou no nada (o que ainda
não é). Difere do em-si: o que é, as
coisas do mundo que aparecem para nós.
Carrear: guiar, conduzir.
ATIVIDADE EM GRUPO (até 4 pessoas) – entregar
numa folha à parte.
1. Explique a afirmação de Sartre de que o
sujeito “carrega nos ombros o peso do mundo inteiro”.
2. Por que o indivíduo poderia ser
responsabilizado por uma guerra da qual o Estado o obrigasse a participar?
3. Partindo do existencialismo sartriano, em
que medida alguém é responsável por sua vida? você concorda com isso? Justifique.
4. Partindo desse texto, explique as
diferenças entre o existencialismo e o estoicismo e/ou semelhanças se você
achar que há. Justifique.
Fonte:
MELANI, Ricardo. Diálogo:
primeiros estudos em filosofia. Ed. Moderna, São Paulo, 2016.