FILOSOFIA E SUAS RELAÇÕES COM A MITOLOGIA, A RELIGIÃO E O SENSO COMUM
O MITO
O mito é uma
forma de explicação da realidade que utiliza narrativas imaginárias, em geral
transmitidas oralmente. Recorre a forças sobrenaturais para explicar fenômenos
naturais. Um exemplo: na mitologia grega, Zeus, rei dos deuses que habitam o
Monte Olimpo, tem o poder de lançar raios. Essa é uma forma de explicar algo
que os seres humanos observam na natureza e que, em princípio, não compreendem.
Com o mito, as pessoas podem não apenas compreender os fenômenos, mas também
intervir neles, ou mesmo controlá-los. No caso dos raios, os gregos tentavam
agradar Zeus com templos, cultos e oferendas, de modo que os raios não
atingissem os mortais.
Mesmo
conhecendo mitos e lendas antigos, seja dos gregos, seja dos outros povos,
ainda continuamos a criar nossos mitos a inventar narrativas mitológicas. É o
que fazemos, por exemplo, quando transformamos um artista ou um jogador de
futebol em um ídolo, em uma espécie de herói. Também não é raro que se criem
explicações fantasiosas sobre determinados fatos: elas também são muito
parecidas com as narrativas míticas. Segundo Carl Gustav Jung (1875-1961),
os extraterrestres não passam de um mito moderno, um mito tecnológico, isto é,
vivemos em um época em que não dá mais para acreditar em fadas, duendes,
Saci-Pererê, etc. (mitos da floresta), agora com uma civilização urbana e
altamente tecnológica, o ser humano precisa de um novo mito, isto é o mito de
uma civilização avançada completamente superior à nossa, tanto tecnologicamente
quanto espiritualmente, afetando, portanto, não só a mitologia como também a
religião.
A convivência entre mito e filosofia
O pensamento
filosófico desenvolveu-se em uma forma de conhecimento que se diferencia da
mitologia. Se o mito era uma narrativa fictícia, uma história imaginada para
explicar o mundo, a filosofia pretendia ser um pensamento não fantasioso,
baseado no raciocínio no exame consciente das coisas, buscando uma explicação
racional e não sobrenatural.
A filosofia,
contudo, não substituiu a mitologia. Ambas continuaram convivendo. Platão em
alguns dos diálogos filosóficos que
escreveu, fez uso de narrativas míticas para, com base nelas, elaborar suas
explicações racionais. O mito da caverna é um exemplo.
A RELIGIÃO
A mitologia
tem certa proximidade com a religião, mas não é exatamente uma religião. Qual
seria então a diferença? Basicamente pode-se dizer que a religião é um conjunto
de crenças, em geral amparadas em um texto, compreendidas como uma revelação de
Deus (ou de um grupo de deuses) aos seres humanos. Por serem verdades reveladas
por Deus, elas não podem ser contestadas. Dizemos, por isso, que as religiões
são dogmáticas, que se fundamentam
em dogmas, que são verdades
absolutas que não podem ser questionadas.
Em resumo, o
conhecimento de tipo religioso caracteriza-se:
-
por um conjunto de ideias
expressas em um texto ou um livro sagrado,
compondo o dogma da religião – embora existam também religiões baseadas em um
tradição oral, que não possuem um livro sagrado, como a Umbanda;
-
pela organização institucional de
um conjunto de pessoas que administram esse conhecimento e a relação das
pessoas com ele; e
-
pela definição de rituais na
forma de viver esse conhecimento e se relacionar com ele.
Muitas vezes
na historia da humanidade, os conflitos religiosos provocaram guerras
sangrentas entre os povos. Em outras situações, porém, as Igrejas exerceram papel
de intermediárias em conflitos. Há também os grupos ecumênicos que acreditam
que é possível a convivência de todas as formas de religião de forma pacífica,
afinal, o que todas buscam é uma forma de elevação espiritual. Mas,
infelizmente, os radicais, que são também chamados de fundamentalistas existem
em quase todas as religiões.
Existe
também o fato de que, muitas vezes, lideres religiosos, influenciados por
interesses políticos e econômicos, acabam por manipular a fé de seus seguidores
para perseguir objetivos alheios à religião. A separação entre religião e
política operada na Revolução Francesa foi algo necessário para a instalação do
modelo republicano. A mistura das duas é sempre uma bomba pronta para explodir.
Religiões no Brasil com matriz africana: Candomblé e Umbanda.
O pensamento religioso e o filosófico
O pensamento religioso apresenta-se como uma “sabedoria”, um
conhecimento pronto e definitivo que algumas pessoas têm e outras não, mas que
qualquer um pode aprender desde que aceite os dogmas. Esse conhecimento está
centrado na fé. Uma confiança absoluta nas palavras que foram reveladas pela
divindade. A fé não é racional, embora a razão possa ser utilizada como
instrumento para compreender os mistérios da fé, como de fato o foi por vários
filósofos cristão durante a Idade Média (Santo Agostinho e São Tomás de Aquino,
por exemplo).
Os primeiros
filósofos foram justamente aqueles que não aceitaram os dogmas religiosos e as
explicações míticas, e começaram a buscar outras explicações. Os filósofos
procuraram construir explicações racionais, que não estivessem prontas nem
fossem definitivas, que fizessem sentido e que pudessem convencer pela lógica,
e não pela aceitação incondicional do dogma.
Os conflitos religiosos: As cruzadas entre os séculos XI e XIII que foram guerras entres cristãos e muçulmanos pelo controle da Terra Santa. O atual conflito na Palestina entre árabes e judeus.
O SENSO COMUM
Todos nós
pensamos e construímos uma visão de mundo. Das coisas que observamos e vivemos
cotidianamente, tiramos conclusões e elaboramos explicações. Mas esse tipo de
conhecimento não é sistemático, não se baseia em métodos. Este é o tipo de
conhecimento chamado de senso comum.
Algumas pessoas, sobretudo as que lidam com a terra, conseguem dizer se vai ou não chover, com base na observação das nuvens e da direção e intensidade do vento, ou no voo e canto dos pássaros. Isso não é um tipo de previsão ou de profecia; é uma conclusão construída depois de anos e anos de observação e da percepção de que certos fenômenos estão relacionados e se repetem. Embora baseado em fatos e observações, esse saber não é construído sobre métodos específicos, nem resulta de uma pesquisa com objetivo definido. Ele está baseado em um senso comum.
As relações entre senso comum e filosofia
Antonio Gramsci
foi um dos filósofos que mais se ocuparam das relações da filosofia com o senso
comum. Por vezes ele fala de senso comum com uma conotação positiva, pois
evidencia que todos os seres humanos pensam e produzem conhecimentos, sejam
eles organizados ou não. Em outros momentos, porém, Gramsci afirma que o senso
comum é um bom ponto de partida, mas não podemos nos contentar com ele. Esse
tipo de conhecimento pode nos ser útil em determinados momentos da vida, mas em
certas situações precisamos de um conhecimento formal mais sistematizado, mais
organizado, como somente a filosofia ou a ciência podem construir.
Se ficarmos
presos a certos saberes do senso comum, não avançamos para um pensamento mais
elaborado, que pode nos descortinar todo um outro mundo. Em resumo: não há
filosofia sem um ponto de partida no senso comum; mas, ao mesmo tempo, se o
pensamento permanecer no senso comum não haverá filosofia.
FILOSOFIA, ARTE E CIÊNCIA: AS POTÊNCIAS DO
PENSAMENTO
De acordo com
o que estudamos até aqui, a mitologia,
a religião e o senso comum são formas de pensamento que produzem conhecimento que
nos ajudam a viver e a pensar, sempre segundo certos parâmetros já
estabelecidos.
Há, no
entanto, outras formas de pensar que os filósofos Gilles Deleuze e Felix
Guattari denominam de potências do
pensamento. A filosofia, a ciência, e a arte são tipos de conhecimento que
buscam a renovação, que nos fazem pensar e nos instigam a curiosidade para além
do que já sabemos. Por isso, estão sempre em busca de novos saberes,
experiências e possibilidades, partindo de motivações que até podem ser as
mesmas, mas que geram produtos diferentes.
Deleuze e Guattari em foto dos anos 80
O pensamento criativo
Se a
filosofia mantém com a mitologia, a religião e o senso comum relações muitas
vezes conflituosas, de negação, em razão do panorama fechado que cada uma delas
apresenta, com a arte e a ciência, dadas suas perspectivas sempre abertas e
criativas, a filosofia conserva relações positivas, muitas vezes de interdependência.
Em suas
atividades criativas, a filosofia precisa dialogar com a arte e com a ciência
para produzir seus conceitos. Da mesma forma a ciência tem necessidade do diálogo
com a arte e a filosofia para produzir suas teorias. E a arte também necessita
de componentes da filosofia e da ciência na criação de suas obras.
ATIVIDADES
1. O que é o mito e a mitologia? Escreva
de forma resumida um história da mitologia.
2. Os mitos são relacionados somente às histórias das civilizações
antigas? Justifique e dê exemplos.
3. Qual é a diferença entre mito e
filosofia?
4. Explique a diferença entre mitologia
e religião e o que é um dogma?
5. As pessoas podem ser manipuladas
pelas religiões? Dê um exemplo histórico.
6. Explique de forma resumida a
diferença entre religião e filosofia.
7. O que é o senso comum?
8. O filósofo Antonio Gramsci vê o senso
comum como algo positivo ou negativo? Explique.
9. Quais tipos de pensamento são
considerados pelos filósofos Deleuze e Guattari, potências do pensamento? Por
quê?
10. O que diferencia a religião, a
mitologia e o senso comum, daquilo que os filósofos acima chamam de potência do
pensamento?
GALLO,
S.; Filosofia: experiência do pensamento;
Ed. Scipione, p. 23-33, São Paulo, 2017 – Adap.:
Marco Maluf