DESCARTES - "O Argumento do Cogito"
René Descartes - (1596/1650)
1. A
Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas, que doravante
não está mais em meu alcance esquecê-las. E, no entanto, não vejo de que
maneira poderia resolvê-las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito
profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no
fundo, nem nadar para me manter à tona. Esforçar-me-ei, não obstante, e
seguirei novamente a mesma trilha que segui ontem, afastando-me de tudo em que
poderia imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como se eu soubesse que isto
fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse caminho até que tenha
encontrado algo de certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível,
até que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo de certo.
2. Arquimedes, para tirar o globo terrestre de
seu lugar e transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais exceto um ponto
que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças,
se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e
indubitável.
3. Suponho, portanto, que todas as coisas que
vejo são falsas; persuado-me de que nada jamais existiu de tudo quanto minha
memória repleta de mentiras me representa; penso não possuir nenhum sentido;
creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas
ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez
nenhuma outra coisa a não ser que não há nada no mundo de certo.
4. Mas que sei eu, se não há nenhuma outra
coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual não se possa ter a
menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra potência, que me imponha
no espírito tais pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez seja eu capaz
de produzi-los por mim mesmo. Eu então, pelo menos, não serei alguma coisa? Mas
já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito, no entanto,
pois que se segue daí? Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que
não possa existir sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, de
que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns;
não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu
existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou apenas, pensei alguma coisa.
Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso, que emprega
toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há pois dúvida alguma de que
sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com
que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter
pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas,
cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu
existo, (penso, logo existo), é
necessariamente verdadeira, todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em
meu espírito.
QUESTÕES
01.
Cite o trecho em que Descartes duvida da existência do próprio corpo.
02.
Qual o objetivo de Descartes ao desenvolver esse método para duvidar de tudo?
03.
Descartes chega a uma primeira certeza. Que certeza é essa? Qual é o argumento
definitivo que o levou a essa certeza?
04. Debata em grupo e escreva o resultado:
É possível que minha consciência possa existir sem um corpo? Justifiquem as
posições de cada um.