DESCARTES: Um Modelo Hidráulico do Corpo Humano
DESCARTES
1. Supondo que o corpo não seja mais que uma estátua ou máquina de
terra que Deus cria expressamente para torná-lo o máximo possível semelhante a
nós: de modo não só a conferir-lhe externamente a cor e a forma de todos os
nossos membros, mas também colocando no seu interior todas as peças necessárias
para fazer com que ande, coma, respire e imite, enfim, todas as funções que se
imagina proceder da matéria e que dependem somente da disposição dos órgãos.
2. Vemos relógios, fontes artificiais, moinhos
e outras máquinas semelhantes, as quais, mesmo sendo feitas apenas por homens,
têm todavia o poder de se mover sozinhas de diversas maneiras; parece-me que eu
não saberia imaginar tantas espécies de movimento nesta máquina que suponho ter
sido feita pelas mãos de Deus nem lhe atribuir tantas habilidades sem que
tenhais motivos para pensar que outras mais pudessem existir...
3. Assim como talvez tenhais visto nas grutas e fontes que estão
nos jardins dos nossos reis, em que a simples força da água saindo da fonte é
suficiente para movimentar diversas máquinas e também para fazer com que toquem
alguns instrumentos ou pronunciem algumas palavras, conforme a diferente
disposição dos tubos condutores.
4. Na verdade, pode-se muito bem comparar os nervos da máquina que
estou descrevendo com a tubulação das máquinas dessas fontes; os seus músculos
e os seus tendões com outros diversos mecanismos e molas que servem para
movê-las; os seus espíritos animais com a água que se move, dos quais o coração
é a fonte e as cavidades do cérebro são os castelos.
5. Além disso, a respiração e outras ações
semelhantes, que são naturais e normais para ela e que dependem do curso dos
espíritos, são como os movimentos de um relógio ou de um moinho, que o curso
normal da água podem tornar contínuos.
6. Os objetos externos, que pela sua simples
presença atuam sobre os seus órgãos dos sentidos, obrigando-a assim a se mover
e de muitas maneiras diferentes, conforme a disposição das partes do seu
cérebro, são como estranhos que, entrando em algumas grutas dessas fontes,
provocam, sem querer, os movimentos que são feitos em sua presença. De fato, só
podem entrar ali andando sobre certos ladrilhos, de modo que ao se aproximarem
de Diana, que se banha, ela se esconda atrás dos bambus, e, perseguindo-a,
farão com que Netuno venha ao seu encalço, ameaçando-os com seu tridente; ou, se
forem para qualquer outro lado, farão surgir um monstro marinho que vomitará
água nos seus rostos; ou coisas semelhantes, conforme o capricho dos
engenheiros que as construíram.
7. E, finalmente, quando a alma racional
estiver nessa máquina, terá a sua sede principal no cérebro e ali fará como o
encarregado das fontes, que está nos castelos d’água, para onde convergem os
tubos dessas máquinas, quando quiser provocar, impedir ou mudar de alguma
maneira os seus movimentos.
ATIVIDADE: Análise de Texto - Faça um comentário de cada um dos setes parágrafos. (Explique o que você entendeu de cada um deles).
Estátuas que se movem