LEITURAS FILOSÓFICAS
Entrevista com o historiador francês Jean-Pierre Vernant concedida à revista francesa L’Histoire e publicada
na Folha de São Paulo em 31/10/99
Política, uma invenção grega
L’Histoire: Para começar, os gregos inventaram a política
e a democracia?
Vernant: Pode-se dizer, para resumir as coisas, que
nesse mundo mediterrâneo o rei cumpre um papel essencial. Ele tem em si algo de
divino, ele é o intermediário entre os deuses e os homens. O grupo humano se encontra,
em relação ao poder, à soberania, numa situação de inferioridade, de submissão
e de obediência: a palavra do rei, sua decisão, os meios militares de que ele
dispõe são incomensuráveis ao cotidiano de seus súditos. O que vemos surgir na
Grécia, nesse contexto? Algo de totalmente novo: a ideia de que só existe
sociedade humana digna desse nome se essa soberania de valor quase religioso se
achar despersonalizada e, para falar como os gregos, situada no centro, ou
seja, se ela se tornar uma coisa comum. Só pode haver vida social se todos os
membros da de uma comunidade tiverem direitos iguais para gerir os interesses
comuns – o que é também um modo de instaurar uma diferença entre o publico e o
privado.
L’Histoire: O que define o espaço público?
Vernant: O fato, justamente, de não ser submetido à
autoridade de nenhum senhor, de não abrir espaço a um poder despótico.
1. Com base em que valores
a novidade política constituída na Grécia antiga se diferenciava da estrutura
política restante do mundo mediterrâneo, de acordo com o historiador
Jean-Pierre Vernant (1914-2007)?
2. Qual é a importância do
espaço publico na vida política grega clássica?
UMA TERCEIRA FORMA DE ORGANIZAÇÃO
Vimos até
aqui dois caminhos para regular os conflitos, determinar limites às lutas,
garantir que os ricos conservem suas riquezas e os pobres aceitem sua pobreza.
No despotismo, o chefe se torna
senhor das terras, das armas e dos deuses e transforma sua vontade em lei. Na política, uma parte da sociedade - os
cidadãos – exerce o poder por meio de práticas e instituições fundadas na lei e
no direito como expressão da vontade coletiva.
Nesses dois
casos, a sociedade procura se organizar economicamente e institui o Estado como
poder separado da sociedade, encarregado de dirigi-la, comandá-la, arbitrar os
seus conflitos e usar a força. São mantidas e mesmo criadas diferenças sociais
profundas entre proprietários e não proprietários, ricos e pobres, livres e
escravizados, homens e mulheres. Essas diferenças dão origem a lutas internas
que podem levar à destruição de todos os membros do grupo social. Há, porém, um
terceiro caminho.
3. Quais são as duas
formas de organização da sociedade estudados até aqui?
4. Alguma delas resolve o
problema da desigualdade entre as pessoas? Explique.
SOCIEDADES CONTRÁRIAS AO COMÉRCIO E AO ESTADO
No século XX, o antropólogo francês Pierre Clastres (1934-1977)
estudos várias sociedades indígenas (particularmente as sul-americanas), e
questionou o preconceito que os europeus tinham com relação a elas
(etnocentrismo), pois acreditavam que essas sociedades eram defeituosas e
atrasadas, por faltar-lhes, segundo a visão deles, o que é importante: o
mercado (moeda e comercio); a escrita (alfabética), a história e o Estado.
No entanto,
Clastres mostrou que essas sociedades possuem escrita, mas que esta não é
alfabética, mas simbólica, inscrita com sinais específicos no corpo das pessoas
e em objetos ou em espaços determinados. São os ocidentais que não sabem lê-la.
Mostrou
também que essas sociedades possuem história ou memória – mitos e narrativas
dos povos – transmitida oralmente de geração para geração e, esta é inseparável
da relação desses povos com a natureza – diferentemente da história ocidental,
que narra a separação em relação à natureza e sua dominação. Mostrou também,
sobretudo, que essas sociedades não são só sem comércio e sem Estado, mas,
totalmente contrários ao comércio e ao Estado.
5. Qual era (e ainda é
para muitas pessoas, inclusive brasileiros) o preconceito que os Europeus
tinham com relação aos indígenas sul-americanos?
6. O que Clastres diz a
este respeito?
As
sociedades indígenas estudadas por Clastres não se organizaram nem na forma das
chefias norte-americanas, nem na dos grandes impérios monárquicos (incas e
astecas), mas inventaram uma organização deliberada
para evitar essas duas formas de poder. Nelas não há propriedade privada da
terra e das riquezas, e, portanto, não há classes sociais nem luta de classes.
A propriedade é tribal ou comum e o trabalho se divide por sexo e idade. São comunidades no sentido pleno do termo,
isto é, são internamente homogêneas, unas e indivisas, nas quais todos se
conhecem, são vistos uns pelos outros diariamente e possuem um destino comum. A
oposição e o conflito não se estabelecem no interior da comunidade, mas em seu
exterior, isto é, nas suas relações com as outras comunidades – portanto,
acontecem na guerra e se resolvem por meio das alianças feitas pelo casamento.
7. Explique o que o autor
quer dizer quando usa o verbo deliberar
(deliberada) no trecho acima?
8. Explique com suas
palavras a frase: “Nelas não há
propriedade privada da terra, portanto, não há classes sociais nem luta de classes.” Ou seja, o
que o autor quer dizer com essa frase?
O poder não
se destaca nem se separa dessas comunidades, não forma uma instância acima
delas (como o Estado, na política, ou como o chefe patriarca no despotismo).
Existe chefia; porém, ela é escolhida para ter comando apenas durante a guerra.
No restante do tempo, o chefe não manda e a comunidade não o obedece. A
comunidade decide por si mesma, de acordo com suas tradições e necessidades,
regulando por si mesma conflito entre seus membros.
Evidentemente, muitos dirão que essa organização é própria de povos
poucos numerosos e de uma vida socioeconômica muito simples. Para quem faz
parte de sociedades complexas, populosas e divididas em classes sociais, isso
parece uma vaga lembrança utópica. Pierre Clastres, porém, indaga: por que outras
comunidades mundo afora, não foram capazes de impedir o surgimento da
propriedade privada, das divisões sociais de castas e classes, e das
desigualdades econômicas do mercado, que resultaram na necessidade de criar o
poder separado, seja como poder despótico, seja como poder estatal?
9. Você tem uma resposta para
esta pergunta feita por Pierre Clastres?
10. Apresentamos nestes
estudos três formas de organizar uma sociedade (Despótica, Política-Estado e
Comunitária) Segundo a sua opinião, em qual dessas sociedades a vida boa e
justa se desenvolveria melhor? Explique sua posição.